O descompasso entre supressão de árvores e replantio preocupa moradores de Belo Horizonte e especialistas em meio ambiente e qualidade de vida. Enquanto, neste ano, 7.800 espécimes tinham sido removidos na capital mineira até ontem, apenas 4.215 novas mudas foram plantadas – reposição de 54%. São em torno de 29 remoções por dia em 2019, média superior à do ano passado, que teve 10.122 retiradas (27 por dia) e 9.722 replantios, o que equivale a 96% de reposição. As informações são da Secretaria Municipal de Obras e Infraestrutura e foram enviadas ao jornal O TEMPO a pedido da reportagem ontem, dia em que o comerciante José Carlos Oliveira da Cruz, 48, morador da região da barragem Santa Lúcia, na região Centro-Sul, acompanhava, de longe, funcionários da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) cortarem uma goiabeira que deu frutos para a criançada e os pássaros do entorno da estrutura de contenção de água da chuva durante anos.
Vão ser cortadas pela administração municipal 77 árvores no corpo do aterro da barragem, como medida de segurança, para evitar erosão e evitar danos à galeria que passa por baixo da estrutura, segundo a PBH. De acordo com a secretaria, “a presença de árvores no corpo do aterro de uma barragem de terra é caracterizada como uma anomalia, sendo necessária a retirada”, que começou no último dia 16.
O comerciante Cruz rebate: “Elas (as árvores) estão aqui há anos; erosão só agora? Não podia fazer isso, é triste demais. Não tem mais verde”. “Estou esperando para pegar um tronco de árvore para fazer um pilão e levar para a roça, para socar café, colorau, qualquer coisa”, acrescentou.
A previsão da PBH é que as intervenções na barragem continuem até dezembro, com retiradas de árvores como palmeira, amoreira, leucena, pata-de-vaca, ipê e goiabeira. O Executivo informou que, somente no fim dos trabalhos, vai ser feito o replantio de 35 mudas de ipê amarelo, em locais a serem definidos pela Fundação de Parques Municipais e Zoobotânica na área do Parque Jornalista Eduardo Couri, no entorno da barragem.
Lei
Segundo a administração municipal, como o ipê amarelo conta com proteção específica da legislação, a supressão de árvores desse tipo implica em replantios da mesma espécie – 35 ipês vão ser plantados em contrapartida aos sete que serão suprimidos. Não há exigência de replantio para as demais árvores, já que elas estão em local irregular.
Muitas vezes, a supressão é feita para manutenção da limpeza ou aumentar a segurança, como é o caso da intervenção na barragem, conforme explicou a PBH. O Conselho Municipal de Meio Ambiente determina, “sempre que possível, o plantio de pelo menos uma nova árvore” a cada exemplar retirado.
Morador diz que retirada é 'descaso'
“Há mais de 20 anos faço corrida aqui. Vai fazer falta demais este refresco. Se uma árvore dessa cair, não vai causar dano nenhum. Basta cuidar, colocar remédio e adubo. É descaso atrás de descaso”, criticou ontem o engenheiro Gilberto Alvarenga, 64, ao ouvir o barulho de motosserra, machados e foices derrubando árvores na barragem Santa Lúcia, na região Centro-Sul da capital mineira. Ele mora no bairro Santo Antônio, vizinho à barragem.
De acordo com Alvarenga, muitos moradores da região faziam chá com as folhas da goiabeira que ele viu tombar em questão de minutos. “É um remédio medicinal. A árvore também oferecia frutos para os pássaros, que vão ficar ausentes daqui agora”, lamentou o engenheiro. (PF)
Falta transparência, critica associação
O baixo número de plantios é classificado como “descaso” pela superintendente executiva da Associação Mineira de Defesa do Ambiente, Dalce Ricas. Segundo ela, ao não replantar na mesma velocidade com que se eliminam as árvores, a cidade pode sofrer consequências como a redução da sustentabilidade e a deterioração da qualidade de vida das pessoas.
“Uma das consequências muito graves é o aumento das temperaturas. É questão também de qualidade de vida. Não descartamos a necessidade de supressão quando são detectados problemas que comprometem a saúde da árvore ou representam risco à população. No entanto, anunciam que vão plantar, mas nunca sabemos onde e quando. Não existe transparência. Não adianta retirar a árvore de um local central e colocar em um ponto isolado, longe da população”, ressalta.
De acordo com a prefeitura, cortes e supressões de árvores são feitos mediante laudos técnicos de profissionais habilitados e que consideram critérios como sinais de risco de queda, enfraquecimento, infestação de insetos e abalo provocado por raios.
A Secretaria Municipal de Meio Ambiente não tinha respondido, até o fechamento desta edição, por que o replantio não acompanha as supressões. (LF)