Apesar de não entrarem nas estatísticas oficiais, oito a cada dez acidentados na mineração são terceirizados. O levantamento da Federação dos Trabalhadores nas Indústrias Extrativas do Estado de Minas Gerais (Ftiemg) mostra o quanto a falta de preparo e condições dignas de trabalho têm sido danosa para um contingente de trabalhadores. E o pior: com salários menores e, muitas vezes, sem plano de saúde, muitas dessas pessoas ficam desamparadas quando se machucam em serviço.
“De acordo com nosso levantamento, 83% dos acidentes acontecem com terceirizados porque as condições de trabalho deles são piores. Eles não têm garantia nenhuma. Muitos deles nem sequer plano de saúde e carteira assinada têm. E, quando acontece um acidente, eles nem entram na estatística oficial como trabalhadores da mineração”, afirma o presidente da federação, José Maria Soares. Segundo ele, é muito comum terceirizados serem registrados como funcionários de setores diversos, como comércio ou transportes, por exemplo.
Mas as más condições de trabalho não são uma realidade apenas dos terceirizados. Uma pesquisa realizada pela federação mostrou que são inúmeros os desafios dos trabalhadores do setor mineral. Os profissionais seriam expostos a atividades repetitivas, com forte exigência da coluna e da musculatura, além do excesso de poeira, que faz com que seja alta a incidência da silicose (doença respiratória) no setor. Ainda segundo o estudo, os salários são baixos, e muitos profissionais são demitidos quando adoecem.
“As pesadas atividades do setor extrativo adoecem os trabalhadores, que são simplesmente descartados pelas empresas no momento em que mais precisam do apoio de planos de saúde”, conclui o documento. O uso de equipamentos de segurança também não é uma prática comum em todas as minas. Problema que é ainda pior nas mineradoras de menor porte. “Os funcionários vivem uma situação de penúria. Nas mineradoras com menos de cem funcionários, o quadro é gravíssimo”, afirma José Maria.
Em Itabira, na região Central de Minas, os acidentes de trabalho são praticamente diários, segundo o vice-presidente do Sindicato Metabase de Itabira, Carlos Estevam Gonzaga. Lá, um dos principais motivos seriam as demissões. “De uns anos para cá, a empresa vem enxugando muito o quadro de funcionários. Quando um passa a fazer o trabalho de três, ele está mais suscetível a erro. E pagam com a própria vida ou ficam com sequelas permanentes. Sem contar que muitos funcionários próprios foram substituídos por terceirizados, que chegam sem o mesmo preparo e acabam se machucando mais”, afirma.
“Todos precisam ter os direitos tutelados (terceirizados ou diretos). Não há distinção, pois todos foram atingidos.”
Luciana Coutinho
Procuradora do MPT
Minientrevista
Jaques Sherique
Engenheiro (ABPA) Associação Brasileira para Prevenção de Acidentes
Como é o processo de prevenção de acidente de trabalho que deve ser observados por mineradoras no Brasil?
O foco do processo de prevenção deve sempre se basear na análise e na avaliação de possíveis riscos e perdas. Então, no caso do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, para a análise dos acidentes do trabalho, deixou-se de estimar essas variáveis, que, se classificadas em uma matriz de tolerabilidade, nos levaria para um patamar de risco gravíssimo, ou seja não aceitável. Visto que a probabilidade de sua ocorrência era altamente possível (vide acidente com a barragem da Samarco em Mariana) e a sua gravidade era altíssima (centenas de mortos).
A magnitude do desastre aponta que as próprias regras de segurança do trabalho adotadas no Brasil podem estar defasadas? Ou o problema foi que a empresa, provavelmente, não estava seguindo essas regras?
Cabe aqui lembrar que o evento inicialmente foi tratado apenas como “acidente ambiental”. Entretanto, depois da nossa constatação, assim como de outras instituições, é que percebemos que a Vale causou em Brumadinho o maior e mais extenso acidente do trabalho do Brasil e, quem sabe, do planeta. Temos uma máxima na nossa atividade: se aconteceu um acidente, é porque houve uma falha técnica ou um erro humano, ou ambos.
E como classifica a tragédia de Brumadinho?
Neste caso, ocorreram ambos os agentes causadores (falhas técnica e humana), principalmente por falta de mecanismos de proteção duplicados e de ação diversa. Além de que os sistemas de alarme não foram acionados a tempo.






