Depoimentos colhidos pela Polícia Federal (PF) no inquérito 503/2018 levantaram suspeitas de que Adélio Bispo de Oliveira, autor da facada em Jair Bolsonaro (PSL), já planejava um atentado havia algum tempo. De acordo com documentações oficiais da investigação, aos quais O TEMPO teve acesso, Adélio teria afirmado a uma ex-empregadora que planejava “tacar fogo em Brasília” e que ainda “ficaria famoso”.
Em depoimento prestado na Superintendência Regional de Polícia Federal em Santa Catarina, a empresária Eliete Alves, sócia de uma construtora, afirmou que Adélio ficava nervoso ao falar de política. “Quando falavam em política, ele ficava muito agressivo, dizendo que tacaria fogo em Brasília. Na despedida de Adélio, ele comentou que ‘ficaria famoso’”, revelou a empresária.
Ainda segundo o depoimento de Eliete Alves, Adélio disse já ter sido filiado ao PSOL, mas que “tinha saído por desgosto, dizia que odiava políticos pois ganhavam bem, enquanto ele trabalhava e não tinha nada, que morava numa casinha onde não conseguia nem dormir, pois a água da chuva caía direto no seu rosto enquanto dormia”.
O inquérito obtido pela reportagem contém mais de 20 depoimentos prestados à investigação, que é liderada pelo delegado federal Rodrigo Morais. A maioria dos relatos mostra um Adélio com pouco traquejo social, que por momentos falava sozinho e não gostava de se enturmar com colegas onde trabalhava. Ele também costumava se apresentar como evangélico e “orava e cantava alto”. Dois depoimentos mostram ainda que ele mantinha muitas conversas pelo celular durante a noite.
Treinamento
Outro depoimento colhido pela PF é do empresário Tony Hoerhann, dono da Escola de Tiro Ponto 38, em Florianópolis (SC), em que Adélio se matriculou como aluno no dia 3 de julho deste ano. Lá, ele realizou treinamentos com aula teórica sobre a legislação e o manuseio de armas e, depois, fez exercícios práticos, desferindo 70 tiros – 30 de revólver e 40 de pistola. Adélio foi aprovado, mas seu comportamento também chamou a atenção dos instrutores.
“Ele apresentava comportamento isolado, não interagindo com os demais participes do curso, e chamou a atenção, durante o intervalo do curso, ele saiu do local e sentou sozinho, em local afastado”, mostra o depoimento de Hoerhann. Ele destacou, ainda, o fato de que Adélio pagou em dinheiro, à vista, o valor de R$ 659 para a inscrição no curso – algo raro no cotidiano da escola.
Outro fato que também chamou a atenção dos investigadores é que Tony Hoerhann possui amizade pessoal com dois filhos de Jair Bolsonaro, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e o vereador do Rio Carlos Bolsonaro (PSL). Uma coincidência nesse caso se destaca. “No mesmo dia do término do curso que Adélio fez, Carlos Bolsonaro chegou a Florianópolis justamente para participar de um curso na mesma escola de tiro”, pontuou.
Em outro depoimento, este prestado pelo instrutor da escola Rafael Machado, foi destacado que Adélio aparentava “ter tido contato antes com arma, demonstrou certa familiaridade”. O instrutor também chegou a questionar Adélio sobre o “porquê da conduta de isolamento e por que ele estava observando o local, como se estivesse ‘estudando’ o lugar”.
Na conclusão do curso, Adélio recebeu o certificado e “saiu imediatamente do local”, sem ter mais contato com os outros alunos.
Confusão
Câmara
A investigação da Polícia Federal também ouviu servidores da Câmara dos Deputados sobre um registro de entrada de Adélio Bispo de Oliveira na Casa legislativa na mesma data do atentado. Os depoimentos destacam que, assim que a identidade do agressor foi revelada pela imprensa, funcionários buscaram no sistema da Câmara por entradas dele. Por engano, então, um dos servidores incluiu, de forma incorreta, a informação de que ele esteve no local naquela data. O sistema da Casa registra duas entradas de Adélio em 2013 – ainda sendo investigadas.
‘Mergulhador’
A PF ainda busca a identidade de um homem que aparece posando para uma foto junto de Adélio durante um protesto em Florianópolis em maio deste ano. No Facebook, Adélio chama a pessoa de “mergulhador”.
