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POLITÍCA
‘(A Lava Jato) destruiu o mercado de gestão de imagem’
“A política é o maior fornecedor de crises e escândalos que existe.” 07/08/2017

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Mario Rosa
jornalista, escritor e consultor de imagem em momentos de crise

Autor do livro “Entre a glória e a vergonha”, lançado na semana passada, o jornalista é demandado por políticos desesperados com escândalo batendo à porta e conta porque trabalha de graça para agentes públicos, mas cobra caro da iniciativa privada.

Quais principais personagens da política estão no livro?

O livro tem histórias paralelas. Uma narrativa é do meu escândalo pessoal, por conta da operação Acrônimo (seu endereço foi alvo de busca e apreensão), então, naturalmente, há a citação do governador (Fernando) Pimentel e de sua mulher, Carolina. Ao mesmo tempo, conto atendimentos que fiz ao longo de 20 anos como consultor de crise. Até para explicar como eu conheci o governador e a Carolina, em circunstâncias de crise em 2010, logo depois da acusação da central de dossiês. A política é o maior fornecedor de crises e escândalos que existe. Então, sempre tive uma forma de atendimento: tinha os meus pacientes do SUS (em referência aos gratuitos), que eram os políticos, que eu atendia de graça, e meus pacientes de plano de saúde, algumas empresas e empresários, de quem eu cobrava bastante. Fazia isso porque, no SUS, eu tinha acesso a problemas gigantescos e casos dramáticos. Poderia treinar, fazer uma espécie de medicina forense: abrir um cadáver e ver tudo. Usar muito daquilo que eu via – as soluções, os impasses –, podia utilizar isso na minha medicina de atendimento formal, com empresas, em casos menos graves.

Você nunca recebeu pagamento de político?

O único político que me pagou foi sem saber. Foi o ACM (Antônio Carlos Magalhães). Na segunda vez que ele teve que renunciar, por conta daquela questão do painel do Senado, houve uma acusação de grampos na Bahia, ele teria grampeado adversários políticos. Fui chamado por um empresário ligado a ele e fui pago pela TV Globo local, que pertencia a eles. A recomendação que recebi era que estavam me contratando, mas sem o senador saber. Então, era para falar que eu estava ajudando de graça. Mas esse foi o único caso em que tive uma bonificação. De resto, ajudei de graça. Por uma razão: em geral, os políticos não tinham fonte de pagamento formal. Então, ou eu cobrava pouco – o que era ruim, porque, além de ser pouco, eu estaria cobrando, ou seja, era mais interessante ter um favor dele – ou então eu cobrava o valor alto que cobro para empresas, e aí eu receberia de maneira ilegal ou através de empresa falsa. Nesse caminhão de denúncias, teria que me justificar, então achava mais fácil atender de graça.

Atualmente também te chamam para esses atendimentos rápidos e grátis?

Ontem (terça) mesmo, 23h30, me ligou um líder de partido pedindo ajuda para fazer o discurso de hoje, de encaminhamento da votação. O cara passou o dia articulando, fazendo política, chega de noite e ele tem que fazer um discurso importante de oito, dez minutos. Ali é a vida para ele, porque o presidente vai estar assistindo, a população inteira vai assistir, então não pode ser qualquer coisa. Fiz o discurso em 40 minutos. Tenho muito tempo livre, então fico pensando em argumentações, em cenários, além de a experiência ajudar também. Não me custa nada, são minutos, me divirto. É evidente que não vai me render algum benefício, mas por que não fazer?

Nada mal um político poderoso lhe dever um favor, não é?

E sobretudo porque ele sabe quem eu sou, não veio me pedir algo ilegal. Ontem também me ligou um deputado que é relator de um projeto importante e está sendo sacaneado por um jornalista conhecido, que colocou algumas notas negativas. E esse jornalista é meu amigo, ele está fazendo um erro de avaliação nas notas. Aí o deputado me pediu para ligar para o cara. Topei, até porque acho que estou ajudando os dois com isso. Não fico com uma caderneta anotando os favores e cobranças. Vou cobrar o que? Hora técnica? Ligação interurbana?

A Lava Jato aumentou esse tipo de consulta para gerir crises na imagem?

Não, pelo contrário, a Lava Jato diminuiu muito esses atendimentos. Ela destruiu o mercado de gestão de imagem. Esse mercado precisa de um certo nível de insegurança, mas com um limite determinado. Se o limite extrapolar, passamos para outra realidade. Por exemplo, eu vendo cerca elétrica e alarme de automóvel. São coisas importantes, já indicam que a sociedade possui um determinado risco e tudo mais. Mas se estamos em uma guerra civil, ninguém compra isso. A violência já está em outro nível, tão maior, que aquela medida parece ingênua. Então passamos para um nível, do ponto de vista de reputação, de desgastes tão devastadores e complexos, incontroláveis, que a gestão de crise tradicional perdeu o sentido. Primeiro, que o mais importante para esse tipo de cliente é fazer um acordo com o Ministério Público. O melhor movimento de relações públicas que o acusado pode fazer é se tornar um colaborador judicial. A partir desse momento, ele passa a estar do lado da sociedade. O processo de desgaste passa a ser atenuado.

O delator é visto com bons olhos pela sociedade?

Cada caso é um caso, claro, muitos são injustamente delatados e acusados. Mas considerando as pessoas que fizeram delação, do ponto de vista da imagem pública, elas saem da posição de acusados, de vilões, e passam a colaborarem de alguma forma pelo interesse público. É como se fosse uma conversão, uma penitência. Isso não significa que você não seja um pecador, mas que alguma forma você está se redimindo. Há um processo de conversão de imagem. A cobertura da imprensa em cima do acusado é sempre mais cruel, mais dolorosa. Em relação ao colaborador, ela se torna menos dolorosa, até porque ele passa a ser o acusador.

Você já chegou a orientar algum delator da Lava Jato?

Sim, tenho clientes no mercado de delatores (risos). Trabalhei com alguns, tem sido uma experiência interessante. Basicamente, o primeiro delator que trabalhei, não vou falar o nome, ele pronunciou essa frase, para mim simbólica: “Olha, eu e minha família ajudamos a construir o Brasil ao longo destas décadas. Agora vamos ajudar a construir um novo Brasil de outro modo”. Pra ele, não havia nenhuma incoerência neste discurso, ele fazia a mesma coisa, estava ajudando o Brasil... uma coisa engraçada até.

Há diferenças entre gerir a crise um político acusado e de uma empresa/empresário?

Muitas. A atividade política, o embate, o desgaste faz parte do negócio. Se você é político, você vai ter seu nome xingado, seu nome pichado no muro. É como juiz de futebol, você sabe que a sua mãe, por melhor que você seja, a sua mãe vai ser envolvida no meio do negócio (risos). É do jogo ser atacado, acusado, denunciado, por mais injusto que seja, faz parte. Na empresa, não. Não é normal uma empresa ser atacada e sofrer denúncia, é mais grave. Não é papel de empresa e empresário ser protagonista de polêmica com a opinião pública. Até por isso as empresas são mais ágeis e mais sensíveis em tratar disso. Uma diferença importante também é que os políticos têm mandato, acabam em quatro, oito anos, é um contrato que expira dentro deste limite. Eles não sofrem um boicote na mesma época da crise. Já uma empresa, um produto, não: vê a queda nas vendas no dia seguinte, o produto sofre impeachment no dia seguinte, tudo imediato, a queda nas ações, tudo é delicado, desgastante. No livro, dou muitos exemplos de trabalhos com este tipo de crise.

Quais crises trata no livro?

Não há grande crise brasileira nos últimos 20 anos que eu não tenha estado envolvido tratando algum dos envolvidos. Sempre evitei conversar publicamente sobre isso, mas, no momento em que tive minha vida exposta por conta da Acrônimo, quando meus clientes, mais de 15, sofreram busca e apreensão, foram devassados, aí o principio da confidencialidade foi quebrado por eles, à minha revelia.

Foi um abuso da PF?

Não acho que foi abuso. Mas sempre vivi no terreno acidentado e perigoso. Vivi na linha imaginária entre a política, o noticiário e o empresariado, um campo minado. Em algum momento eu poderia ser alvo de uma bala perdida, o que acabou acontecendo, um acidente de trabalho. Aconteceu também de o Brasil estar naquele momento exacerbadamente perseguitório, com uma desconfiança de tudo. Passados dois anos do episódio, também tive uma oportunidade única, que foi poder viver na pele a experiência que eu conhecia apenas por teoria. Viver a adrenalina, o medo, a angústia, o desespero.

A experiência de ser envolvido na Acrônimo mudou a sua visão de alguns ‘tratamentos’ realizados anteriormente?

Mudou bastante, pude colocar a teoria em confronto com a prática. Era um médico e me tornei um paciente. Testei na prática o que do meu conhecimento funcionava ou não. (Lucas Ragazzi)


 

 

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