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ELE E ELA, UM SÓ: COSMOPOLITABIRANAMENTE
16/11/2024

 
 
 
Riff perfeito de guitarra, dedilhado por um roqueiro maduro, apurado na técnica do estudo solitário e na emoção de festivais antológicos; começa e, pelo conforto auditivo, de imediato transforma o ambiente, espalhando sobre pessoas um sentimento ainda não titulado, mistura de prazer, autoestima, recompensa e gratidão. Foi o que aqueles dois osquestraram, sem nenhum instrumento musical. Com seus corpos, um espetáculo apenas para eles, em dupla, e tudo sumiu, nada mais havia, nada mais importava. Um show sem público, pois não cabia mais ninguém no recinto. 
 
Um quarto de hotel com pé-direito alto, um taciturno móvel de jacarandá com tampo de marmóre, uma cama de casal com colchão de molas, um chuveiro com água farta, numa casa que pertenceu a uma companhia prestadora de serviços à extinta Estrada de Ferro Central do Brasil, das principais ferrovias do nosso país. A 87 passos de uma desativada estação inaugurada em 1912 num prédio de arquitetura eclética. Os trilhos do ramal estão lá, mato crescendo em frestas de dormentes, compridos ferros contando sem palavra que muita vida ali passou: relações comerciais, transporte de alimentos, encontros casuais, dramas, alegrias, ódios, surpresas, tudo a que se dá o nome de vida. Pois foi lá. 
 
Com janelas para um gramado bom de ver e um muro vermelho, que separa a edificação de um calçamento pé-de-moleque com passeio estreito e irregular, que dificulta a marcha dos pés sobre o piso. Chovia fino e o ar era bom aos pulmões. O palco recendia a Baccarat original, comprado em Atenas. Malas abertas numa mesa de peroba-rosa, roupas desorganizadas, maços de dinheiro escondidos, porque grana é necessária, desde que honesta e em seu devido lugar, abaixo do ser humano. Tênis espalhados, Adidas é marca gostada pelos dois. Coca-cola zero e água mineral com gás na geladeirinha, batata frita de pacotinho. Cigarros, óculos Prada, iPhones, um iPad da Apple para ver Atlético x Flamengo na final da Copa do Brasil. Encaixados no metal branco da torneira do banheiro, dois raspadores de língua. 
 
Que órgão fantástico, desempenha função determinante na comunicação, é com a língua que as palavras são articuladas em sua forma primal, músculo que dá nome ao conjunto de possibilidades sonoras de todo agrupamento humano. Veículo determinante para absorver temperaturas e sabores, quente, frio, gelado, azedo, amargo, doce. Com ela se recolhe muito dos grandes prazeres disponíveis. Equipamento fantástico a língua; muito, e com maestria, usada ali naquele hotel. Sexo em fogo alto, potente, delicioso ocorreu sob teto de telhas inglesas e fez tremer a alvenaria da elegante edificação à beira-linha. 
 
Festa de sangue, pele, ossos, pelos, veias, unhas, saliva e outros fluidos... Toda a fisiologia do ato manifestada em líquidos gostosos, terremoto de carnes sensíveis, música de gemidos endoidecidos, a estética da anatomia, ofegâncias de mobilidades fortes e repetitivas. Encaixe, pressão, deslocamentos. Bioquímica, medicina, ciência. Ela lambeu o pau dele com o fervor de mulher que sabe que tem de chupar com excelência; ele pincelou a língua na buceta dela com a devoção de macho que leva muito a sério isso de comer uma fêmea. Mordidinhas nas orelhas, dentes arando pescoço, dedos exploradores... 
 
Nucas, bundas, coxas, quadris, peitos, joelhos, queixos, nada passou sem toques de fogo e olhares incendiados, partes proparoxítonas, pedaços com cê-cedilha e o fervente cantinho monossilábico. O escritor fez festinha no corpo da madame, justificou seu imaginário ex-libris: “Se um homem não serve para comer bem uma mulher, servirá pra quê, porra?”    
 
Depois de lamber, beijar, apalpar, roçar e outros verbos, ele baixou ao que um pintor chamou de Origem do Mundo e espetou partes dele, em trabalho ritmado, exitosa sincronia, como desfile do exército da Coreia do Norte. Tirava, punha, lambia, mordia, engatava movimentos circulares, num vaivém frenético, dança de índios dopados por chá de erva desconhecida. Tira, põe, esfrega, roça, trisca, resvala, heavy metal, balé, não pára, não pára, vai, vai, vai, soca, soca, filho da puta, vaiiiiiiiiiiiiiiiii... Ela se dinamitou na língua dele. “Hummmmm, bandido, demônio itabirano.” 
 
Amolecida, hipnotizada, esparramou seu corpo na cama como se um animal tivesse sugado todo seu sangue com canudinho de beber suco de carambola do quintal da Casa do Braz, e teve de convocar as fibras para reunir força e cumprir uma exigência dele, que ela dissesse em seu ouvido aquela palavra que nenhum homem de verdade pode ficar sem extrair quando traça uma dama, iniciada com a sétima letra do alfabeto. Recobrado o ânimo, ela trabalhou a boca na estaca com esmerado empenho, até fazê-lo espirrar caldo delirante em seus delicados lábios sem batom.
 
Há várias formas de sexo, a melhor é precedida por uma concomitância mental raríssima, obtida somente por incomuns, por gente de psicologia grande, decifradora da engrenagem. Mulher de sucesso global, ela rodou o mundão e de cada ermo recolheu energia boa. Viu imensidões do dinheiro: palácios, carros dos ares e mares, jantares de monarcas, joias de Cleópatra. Integra um mundo em que se dá presente de 150 mil euros, mas cifrão não abalou a filosofia dela. Flertou com o que poderia tê-la sugado para um lado tolo, mas soube se proteger contra o deslumbre. Não é feminista, é livre, e imensa, louvada seja! 
 
Ele se deixou imantar no ferro do Pico do Cauê, permaneceu na cidadezinha, onde combate canalhas e lê, criou sua própria universidade, se tornou universal na paróquia e sobe montanha com cães. Bebe na estupenda fonte mineral que movimenta o mundo e derrotou toda possibilidade de apequenamento da província. Um homem tão de sorte que os cassinos deviam proibir seu acesso ao interior deles. Ela não se deixou estragar pela abundância, ele triunfou sobre a escassez. Um encontro juntou coisa com outra — duas jornadas com resultados extraordinários — e provocou uma explosação de afetos vitais. 
 
Malas prontas, apenas 15 minutos de tolerância no hotel, deixaram o lugar com seus narizes mirando nuvens, em nada um devendo ao outro: naquele 100% do sexo perfeito, graça só alcançada com 100% de entrega mútua, cada qual entrou com 50%, ela foi ela e ele foi ele, sem máscara ou filtro — parece óbvio, mas quão difícil é praticá-lo. Entraram num ônibus com um pássaro verde, cônscios de que produziram uma obra de arte moldada na beleza espontânea, associada à alegria e em comunhão com outras forças do bem. E de que, quando a vida nos oferece um presente, nossa obrigação é aceitá-lo, não é opcional. Deuses conspiram em favor dos honestos, corajosos e autênticos. Só pessoas boas merecem as delícias, que Santa Bárbara os proteja das tempestades e dos abismos. 
 
O TREM
 
 
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