(Nosso atraso, deputado omisso, demônios e outras reflexões sobre a polêmica nomeação de uma lésbica para comandar a Educação)

 

POR QUE O OBSCURANTISMO É TÃO FORTE EM ITABIRA?

O obscurantismo pesa sobre Itabira como um nevoeiro, aproprio-me da imagem da poeta Elizabeth Bishop e complico: aquele nevoeiro matizado entre o marrom-veneno e o ocre-pestilência, que vem das minas da empresa Vale e inunda toda a cidade, nevoeiro feito de partículas de minério de ferro, grosso, pesadão, asfixiante. As causas são múltiplas: governos calamitosos, que brutalizaram a cidade entre 2001 e 2020 e a rebaixaram a uma urbe de quinta classe; intelectuais omissos e venais, que não apenas não protestaram contra esses governos calamitosos como a esses governos calamitosos se associaram para ganhar dinheiro; empresários que enfiam dinheiro em comunicadores pulhas, com amplo histórico de desserviços a Itabira, ignorantes a serviço de ignorantes, que defendem Itabira atolada na ignorância porque lucram financeiramente com a ignorância; péssima qualidade das maioria dos vereadores neste século, sem capacidade e coragem para debater os assuntos locais mais importantes; debilidade educacional, com centenas de professores despreparados; mídia venal e apedeuta — quase toda, mas quase toda mesmo, 99%; e entidades que não cumprem sua obrigação, como Acita, OAB e outras.

 

UM DEPUTADO OMISSO, QUE NÃO SE POSICIONA

O deputado estadual Bernardo Mucida não deu um pio publicamente sobre o caso, noticiado amplamente no Brasil, e robusteceu seu já vasto acervo de omissões. Receio de perder votos, certamente. Ele deve calcular: “Se eu apoiar Laura Souza, perco votos na parcela conservadora da população; se eu me opuser à nomeação dela, fico mal com a galera LGBTQIA+”. Há dois problemas aí, um de cunho social, outro muito particular: ele tem obrigação de se posicionar claramente sobre todos os assuntos de alta relevância pública, não pode se omitir, e sua covardia pode fazê-lo perder votos em ambos os lados da questão. Parlamentar, Bernardo Mucida, vem do francês parlement, de parler, ou seja, falar, debater, opinar, bradar, se posicionar. Parlamentar que não parla é grosseira contradição, é padeiro que não faz pão, é farmacêutico que não vende remédio. Partido político, Bernardo Mucida, significa parte, fração, em oposição a inteiro. Tem esse nome porque deve selecionar as pautas principais a trabalhar, definir seu conteúdo programático, e tomar posição, não tentar agradar a todo mundo, coisa, aliás, impossível.

 

TEM COMPETÊNCIA PARA SER SECRETÁRIA DE EDUCAÇÃO?

Laura Souza tem ou não competência para ocupar o alto cargo municipal de secretária de Educação? Esse deve ser o debate, não sua vida pessoal. Ela não deve sofrer preconceito, mas também não deve ter seu nome dado como bom para o cargo automaticamente, por solidariedade, esprit de corps, sem questionamento. O currículo apresentado é modesto para o tamanho da responsabilidade e do desafio. “Servidora pública efetiva há 15 anos, na prefeitura de Itabira e na câmara de vereadores local. É itabirana, licenciada em letras (inglês e português e respectivas literaturas) e redatora na câmara”, informou a prefeitura em press release. Está mais que óbvio: trata-se de uma aposta do prefeito Marco Lage, na base do vamos ver, vai que dá certo. Tomara!

 

MÍDIA ITABIRANA COBRE MAL A EDUCAÇÃO, INCLUINDO O TREM

A mídia itabirana cobre mal educação em Itabira, muito mal, mal demais, pessimamente mal. Nenhum meio de comunicação é eficiente nessa área. Repito: nenhum, incluindo O TREM, jornal que fundei e edito. Nós, comunicadores, temos sido relapsos nessa área fundamental. Todos nós, 100%. Peço desculpas ao povo de Itabira por cometer essa falha. Não serve de justificativa, mas preciso informar que O TREM cobre mal o ensino itabirano não por intencionalidade, mas por causa da sobrecarga de trabalho, afinal, o jornal trabalha frequentemente pautas duríssimas, que nenhum outro meio ousa enfrentar, e a reação vem forte e furta muito tempo. Ai fosse mais leve a carga, diria Carlos Drummond de Andrade. Reitero: não serve de desculpa. O TREM precisa cobrir melhor a educação: visitar escolas, conhecer as estruturas físicas, ouvir os professores em condições de opinar, destacar práticas inovadoras e eficientes, se houver.

 

VICE-PREFEITO PRECISA EXPLICAR O QUE SÃO DEMÔNIOS

Confuso e lacunar é o vídeo do vice-prefeito de Itabira, pastor batista Marco Antônio Gomes, que circulou nas redes sociais. Ele informa discordar da nomeação de Laura Souza, mas não explica o motivo. Diz que a prefeitura está “cheia de demônios”, mas não esclarece essa metáfora e nem cita nome. Serão empresários gananciosos, louquinhos para enfiar a bocarra em milhões do dinheiro público? Serão espertalhões malucos para vender bem caro uma daquelas consultorias vãs, que nenhum retorno trazem à população? Serão vereadores querendo barganhar apoio legislativo por cargo para parentes e cabos eleitorais? O vice-prefeito tem obrigação de explicar, mas ele não explicará e nem a população dele cobrará explicação.

 

DALTON ALBUQUERQUE PODE ACABAR ELEITO VEREADOR

O presidente do Partido Social Cristão itabirano, bolsonarista Dalton Albuquerque, foi acusado de homofóbico por centenas de pessoas após publicar na rede Facebook um vídeo com críticas à nomeação de Laura Souza — a principal é de que ela “doutrinará” estudantes e prejudicará “a família”. Ao som de I Will Survive, de Gloria Gaynor, hino para homossexuais, o vídeo comete a tosquice de exibir montagem com foto do prefeito Marco Lage ao lado de um pé de sapato enorme, alusão ao termo sapatão, tradicional e jocosamente associado às lésbicas. Dalton Albuquerque sempre foi derrotado em suas candidaturas a vereador e a deputado. Com a esquerda atacando-o ruidosamente, ele certamente colherá simpatia entre os conservadores. Se for nessa toada até a próxima eleição, terá grande chance de abiscoitar, enfim, uma cadeira no Poder Legislativo. Lembremos: em 2018 Jair Bolsonaro obteve 55,13% dos votantes em Itabira no segundo turno.