O acordo de cooperação feito pelo Estado, por meio da Secretaria de Estado de Infraestrutura e Mobilidade (Seinfra), para a realização de estudos sobre o Rodoanel Metropolitano pode parar na Justiça. Isso porque alguns municípios consideram a ação ilegal, uma vez que as empresas interessadas no projeto estariam bancando, por meio de associações e outras entidades, esses estudos e, com isso, tendo acesso a informações privilegiadas.
Apesar de o Estado ter alegado que fez esse acordo com o Movimento Brasil Competitivo (MBC) para que este contratasse as consultorias do projeto, fontes ouvidas pela reportagem disseram que o interesse desse acordo de cooperação seria da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR), entidade que representa empresas interessadas em projetos viários, principalmente de concessão e cobrança de pedágio.
A ABCR é dirigida, desde setembro de 2020, por Marco Aurélio Barcelos, que foi secretário da Seinfra. Foi ele que idealizou todo o projeto do Rodoanel e os demais de concessão de rodovias mineiras. Em agosto do ano passado, ele deixou o governo e assumiu a associação apenas 60 dias depois de sair do Executivo. Para as fontes ouvidas pela reportagem, o governo de Minas não poderia ter firmado esse acordo de cooperação porque a ABCR teria entre seus associados concessionárias interessadas em executar a obra, orçada em R$ 5 bilhões pelo governo do Estado.
Inclusive, oito dessas empresas associadas teriam sido investigadas pela Operação Lava Jato, como a Andrade Gutierrez. A ABCR disse que Barcelos não tem qualquer vínculo com qualquer das 47 concessionárias associadas a quem, por força de estatuto, é garantido o tratamento equânime e a competitividade.
Estudo duplo
Uma das empresas que fazem análise dos estudos de modelagem do Rodoanel é a Systra, que também realiza trabalho para o outro lado interessado: o das empresas de olho nesse tipo de projeto.
No seu próprio site, a Systra afirma que “foi contratada por um grupo de empresas interessadas no sucesso do Programa de Concessão de Rodovias do Estado de Minas Gerais para realizar um estudo técnico capaz de avaliar o sistema rodoviário estadual e definir lotes passíveis de exploração”.
Para o secretário de Governo de Betim, Guilherme Carvalho, essa acordo levanta desconfianças. “Se a empresa contratada para fazer os estudos também atende a partes interessadas no projeto, isso mostra que ele já nasceu de forma viciada. Faltam esclarecimentos disso tudo. Por que o Estado aceitou essa cooperação, mesmo alegando que não houve custos para o governo, com outras empresas e entidades com interesse no projeto? Estamos falando de uma cifra bilionária. Por isso, estamos estudando uma forma de pedir a anulação desse processo porque vemos como ilegal essa cooperação para a realização dessas consultorias”, questionou o secretário.
Análise não reproduz proposta atual
No último dia 27 de outubro, a Seinfra publicou um relatório de análise feito pela Systra da primeira proposta de traçado enviada por Betim, no dia 1º de março. Nesse relatório, as críticas consideram um traçado que diverge do projeto atual (apresentado em novembro), criando interferências onde não existem, e reproduzem uma análise baseada na vontade das concessionárias interessadas no projeto.
“O Estado ainda não divulgou a análise da nossa segunda proposta, mas, já na primeira que enviamos, cujo relatório, feito pela Systra, só foi publicado no fim de outubro, o governo de Minas não deixa claro se o traçado alternativo trará benefícios, se foi considerado bom ou ruim em relação ao proposto anteriormente por eles. Só abordou críticas ao projeto. Não houve nenhuma conclusão. Inclusive, não há uma comparação entre as duas propostas, tanto em termos de execução quanto em termos de custos”, criticou o secretário de Ordenamento Territorial e Habitação, Marco Túlio Freitas.
Outro ponto da publicação chama a atenção: o tempo que ela levou para ser realizada, já que a análise se referiu à primeira proposta.
“Publicaram só no mês passado a análise de uma proposta que foi enviada lá em março. O novo projeto de traçado encabeçado pelos municípios, enviado ao governo no último dia 5, após uma audiência com várias prefeituras, ainda não foi analisado pelo Estado. O governo fala em publicar o edital em dezembro. Se levaram sete meses para publicar um relatório sobre a primeira proposta, que não é mais atual, como vão analisar em menos de dois meses o segundo projeto das prefeituras e publicar o edital ainda neste ano? Isso só mostra que já haveria uma escolha sobre qual projeto será o vencedor”, ponderou o secretário de Governo, Guilherme Carvalho.
A Seinfra já declarou que o contato com as prefeituras para discussões sobre o Rodoanel Metropolitano tem sido constante desde o início do projeto. “Cabe reforçar que a primeira consulta pública ficou aberta por mais de 80 dias, e, nesse período, cinco audiências públicas foram realizadas para permitir a participação de toda a sociedade. A segunda consulta pública permanece aberta até o 26 de novembro. Todos os estudos estão disponíveis no site da secretaria”.
Projeto alternativo é R$ 2 bi mais barato
O projeto apresentado pelo governo de Minas tem apenas duas pistas, passa por centros urbanos de Betim e Contagem, dividindo bairros ao meio e impactando diretamente milhares de pessoas que podem ser separadas de suas regiões. Além disso, o Estado prevê um custo total de R$ 5,09 bilhões, sendo que cerca de 40% desse valor seria pago por meio de pedágios – programa de concessões – que será cobrado pela empresa vencedora da licitação da obra.
Já a proposta alternativa para o Rodoanel, criada por Betim e apoiada por outros municípios da região do Médio Paraopeba e da Grande BH, entregue no dia 5 após uma audiência pública das prefeituras envolvidas, custa R$ 2 bilhões a menos que a do Estado, possui três pistas, reduz o custo com desapropriação em seis vezes porque passará por área rural, e não urbana, além de criar uma rede de interligações entre as BRs 040, 381 e 262. Além disso, não há cobrança de pedágio no Rodoanel.
Nos cálculos das prefeituras, o traçado alternativo custaria R$ 2,9 bilhões – contra R$ 5,09 bilhões do Estado.
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