Cerca de 91 milhões de brasileiros estão com pelo menos uma conta atrasada em abril, de acordo com uma pesquisa realizada pelo Instituto Locomotiva para avaliar os impactos do primeiro mês das medidas de isolamento, impostas como prevenção ao avanço do coronavírus, na economia. O número é 54% maior do que o registrado no mês anterior, quando 59 milhões de pessoas estavam nessa situação.
"A Covid-19 chegou na reta final de uma das mais longas crises econômicas da nossa história. Encontrou uma população sem poupança e cada vez menos amparada pelos aparatos de proteção social. Infelizmente, a pesquisa joga luz em uma das consequências econômicas mais graves dessa 'tempestade perfeita': a total falta de condição de importante parcela da população em honrar suas contas”, afirma o presidente do Instituto Locomotiva, Renato Meirelles.
A eletricista Ana Amélia Nascimento da Silva, 36, ganha a vida prestando serviços nas casas dos clientes em Ribeirão das Neves, na região metropolitana de Belo Horizonte, mas, nas últimas semanas, as demandas desapareceram. As contas de água, luz, telefone e cartão de crédito estão atrasadas, e já falta comida à mesa da mulher e das duas filhas dela, de 14 e 16 anos.
"A gente vai se virando com o grosso, mas falta verdura, carne. Estou contando mesmo com ajuda de vizinho, um repassa o que tem a mais para o outro. Faltar para mim é uma coisa, mas, quando falta para os filhos, fica muito difícil para quem é mãe", lamenta Ana Amélia. "Eu me sinto uma pessoa muito guerreira e corro atrás das coisas, e ficar parada por causa desse vírus está sendo bem difícil. Meu sonho é que isso passe logo para poder trabalhar", diz.
Segundo a pesquisa do Instituto Locomotiva, em média, cada pessoa está com quatro contas em atraso. A dívida mais frequente entre os brasileiros é referente a carnês ou crediário de lojas, citada por 46% dos entrevistados. Em seguida, vêm as faturas de cartão de crédito e o cheque especial, com pagamento atrasado por parte de 36% das pessoas, o que preocupa pelos juros elevados dessas duas modalidades. Os do rotativo do cartão de crédito chegaram a 322,6% ao ano em fevereiro, e os do cheque especial, a 130% ao ano no mesmo mês.
Parcelas de empréstimo bancário (36%), aluguel (35%), mensalidade escolar (34%), conta de luz (33%) e financiamento ou consórcio de veículo (31%) também estão entre dívidas mais recorrentes.
"Luz, água e telefone, por mais essenciais que sejam, gozam de isenção ou redução de tarifa em alguns Estados, juros baixos e um tempo maior antes que o serviço seja cortado. O cartão oferece uma alta taxa de juros e como funciona como uma 'boia de salvação', deve liderar a retomada da inadimplência. Já as mensalidades deverão ser renegociadas no final do ano”, avalia Meirelles.
A expectativa é que o percentual de pessoas que vão conseguir pagar as contas em dia no próximo mês seja menor para todos os compromissos financeiros.
"A pesquisa projeta um cenário bastante complicado para a inadimplência, com um número crescente de pessoas que já admitem que no próximo mês não conseguirão honrar todos os seus compromissos", pontua Meirelles. "No auge da crise econômica, observamos o consumidor produzindo o que chamam de rodizio de contas, escolhendo que contas pode pagar e quais irá atrasar de acordo com o valor do juros e o prazo de negociação antes que o serviço seja cortado", conclui.
Em Minas Gerais, os clientes da Cemig com tarifa social poderão parcelar as faturas em até seis vezes, sem juros e multas. A Copasa também se comprometeu a não realizar corte do fornecimento de água dos consumidores com tarifa social nem cobrar juros e multas por atraso dessa categoria. Inicialmente, a medida é válida até 30 de abril, mas poderá ser prorrogada.