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Vegano a baixo custo: não é preciso ser rico para adotar o estilo de vida
Adeptos e especialista garantem que uma dieta sem componentes de origem animal é mais barata do que uma que contenha carne 25/03/2019

 

Gargalhadas, deboche, um desejo de “boa sorte”. Foi esse o tipo de reação que esta repórter recebeu de seus amigos, ao perguntar, num grupo de WhatsApp, se alguém ali conhecia um vegano pobre que pudesse indicar pra esta matéria. Dias depois, por coincidência, ouvi espontaneamente de uma prima adolescente a seguinte frase: “quando eu for rica, eu vou ser vegana”.

As duas situações são bastante emblemáticas do estigma carregado pelo veganismo – de que ele só seria possível para pessoas com alto padrão de vida. Outro dado que vai ao encontro dessa ideia é revelado pela pesquisa conduzida pelo Ibope Inteligência em abril de 2018, sob encomenda da Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB): 60% dos brasileiros comprariam produtos veganos se custassem o mesmo que os que contêm componentes de origem animal. Ou seja, os altos preços dos produtos estariam barrando a expansão da prática.

No entanto, adeptos da postura e especialista garantem que esse entendimento é equivocado. Vegano há 20 anos, o historiador e fotógrafo Carlos Alberto Oliveira, 35, atribui a “culpa” disso aos produtos veganos industrializados. “Você chega ao supermercado e vê uma caixinha de leite vegano a R$ 12. Automaticamente, pensa que tem que ser rico para comprar essas coisas. Mas não é pressuposto do veganismo consumir determinados tipos de produtos, muito menos frequentar certos restaurantes”, argumenta.

Ele, que aderiu à causa ainda na adolescência sob influência dos movimentos punk rock e anarquista, ressalta que naquela época sequer existiam produtos veganos nas gôndolas dos supermercados. “Há 20 anos, o veganismo não era tão associado a questões de consumo como é hoje. Na época, pra me virar, eu tinha que comer as comidas do dia a dia, não tinha essa de comprar biscoito, sorvete, ‘carne’ vegana. Foi um processo acessível. Inclusive um argumento que me convenceu e ainda é válido é que alimentos de origem animal são mais caros que os de origem vegetal”, diz.

A pesquisa do Ibope Inteligência não trata especificamente de veganos, mas demonstra que 14% dos brasileiros – cerca de 30 milhões de pessoas – se declaram vegetarianos. O número representa um aumento de 75% em relação à mesma pesquisa realizada em 2012, quando o percentual era de 8%. Levando em conta que parte dessas pessoas já deve não consumir produtos derivados de animais, não parece ser falta de dinheiro o que impede a fração que ainda consome de parar de fazê-lo.

Criado nos bairros Pompeia e Boa Vista, na região Leste, Carlão, como é conhecido, é de origem pobre, mas reconhece que melhorou de vida ao longo desse tempo. Seus hábitos alimentares, no entanto, mudaram pouco. “É bem parecida à maneira como era. Hoje, moro com minha esposa, que também é vegana, e nossa alimentação é constituída basicamente de vegetais frescos. Às vezes, conseguimos consumir até orgânicos, de agricultura familiar. São coisas que custam pouco e rendem muito”, pontua.

O relações públicas Mateus Pereira Rodrigues, 38, também é adepto dos orgânicos, mas assegura que, mesmo assim, consegue gastar pouco. Suas despesas com alimentação são basicamente de hortifrúti e ficam em torno de R$ 170 por mês. “Em geral, eu mesmo preparo minhas refeições. Mas há, inclusive, restaurantes bem baratos, como Pé de Couve, no centro, onde eu almoço às vezes, por ser perto do meu trabalho. O prato vegano custa R$ 13 com buffet liberado ou R$ 29 o quilo”, conta.

Informação e equilíbrio

A visão de que o veganismo é associado a gastos elevados por conta dos produtos industrializados é corroborada pela nutricionista funcional Silvana Portugal. Para ela, o que é fundamental mesmo para se adotar esse estilo de vida é informação. “A pessoa deve saber o que precisa comer, equilibrar carboidratos, gorduras e as proteínas corretas que tem que ingerir para ter o mesmo valor proteico da dieta onívora”, pondera, explicando que de 10% a 15% da alimentação diária deve ser composta por proteína de alto valor biológico, ou seja, que tenha todos os 23 aminoácidos. “Aliás, não é raro que não veganos ingiram proteína além da conta, porque, às vezes, comem carne, queijo, couve, leite e também feijão com arroz. Isso pode causar problemas como o aumento do colesterol e do ácido úrico”, completa.

A nutricionista observa que veganismo não necessariamente implica uma alimentação balanceada – afinal, há junk food vegana –, mas destaca que, quando o é, evita problemas como diabetes, pressão e colesterol altos, esteatose hepática, além de ajudar o pâncreas e o fígado a funcionar melhor.

Veganismo popular

Moradora do bairro Milionários, na região do Barreiro, a fotógrafa Nathália Santos, 23, foi apresentada ao veganismo popular por amigos que também moram em áreas periféricas. “É basicamente comer o que está barato na feira”, explica. “É possível se alimentar bem, sem faltar nutrientes, vitaminas, sais minerais, só com isso. Hoje mesmo meu almoço foi arroz, feijão, abobrinha, tomate e milho, ‘completão’. Ainda fiz uma limonada para ajudar na absorção dos nutrientes”.

Se por um lado é possível gastar pouco dinheiro, por outro é inegável que é preciso tempo para cuidar da alimentação da forma mais adequada. Nathália, porém, diz que não é tanto assim. “É questão de aprender a se organizar. Além disso, preparar pratos sem carne geralmente é bem mais rápido”, afirma.

Uma barreira maior para a difusão do veganismo entre as classes mais baixas seria, na verdade, a ideia de que comer carne é sinônimo de status. “Ainda existe essa coisa cultural de ‘poxa, melhorei de vida, vou comprar carne boa’. É uma coisa que ainda ocupa o imaginário das pessoas”, conclui.

 

Internet é espaço de troca e difusão da causa vegana

Há dez anos sem comer carne, Caroline Soares, 28, é vegana há apenas quatro. Moradora da periferia de Guarulhos, na Grande São Paulo, ela mesma reconhece que, por muito tempo, entendia veganos como metidos e achava que manter esse estilo de vida era caro. “O que eu acompanhava nas redes sociais era algo a que eu não tinha como ter acesso: receitas difíceis, produtos de marcas que não existiam no Brasil”, lembra.

Mesmo assim, um dia ela resolveu tentar. E criou um álbum em seu perfil no Facebook chamado “Vivendo de Alface”, em que postava as coisas que comia. Aos poucos, foi percebendo as pessoas se engajando. Daí nasceu a ideia de criar o grupo Veganos Pobres Brasil, para trocar receitas. “Já havia outros com proposta parecida, mas não abrangiam minha realidade de periférica. Decidi fazer isso para juntar pessoas como eu”, conta.

Criado há três anos, o grupo já conta com quase 90 mil membros e foi o trampolim para que Caroline criasse, posteriormente, o perfil de Instagram Logo Eu, Vegana Pobre, hoje sua ferramenta de trabalho, com 22 mil seguidores.

“Eu dou receitas, mostro o meu dia a dia, indico marcas de produtos, ensino a mandar e-mail para as marcas e também tem humor. Recebo muito retorno de gente se dizendo chocada, falando que achava que não era possível ser vegano e gastar pouco antes de me conhecer”, afirma.

Na mesma pegada, o perfil Vegano da Periferia tem quase 160 mil seguidores. Administrado pelos irmãos gêmeos Leonardo e Eduardo Santos, 22, assim como o perfil de Caroline, traz referências para ajudar a popularizar a causa. “O começo, pra nós, foi muito difícil. Procurávamos receitas e só encontrávamos coisas mirabolantes, uma galera vaidosa. Nossa ideia é agregar para popularizar. Mostrar que é simples e barato”, explica Leonardo, que mora na periferia de Campinas, em São Paulo, e trabalha como cozinheiro numa hamburgueria vegana.

Ele ressalta que veganismo não é só sobre alimentação, “mas é a coisa que mais pega, porque as pessoas comem o tempo todo”. “Por isso, mostramos o prato, mas também trazemos reflexões sobre aquilo em que acreditamos”, pondera.

 

Bar aposta na simplicidade

Fundado com o propósito de ser libertário em diversos âmbitos, o Olÿmpia Coop Bar, no edifício Maletta, centro da capital, tem um cardápio inteiramente vegano. “É a iniciativa de um grupo de amigos que estavam cansados de ser explorados na noite de BH, de sofrer com machismo, racismo, homofobia, além de não serem pagos. Nossa proposta é ser justamente um lugar livre de opressão, tanto humana quanto animal. Por isso defendemos o veganismo”, explica Libernina, gestora do estabelecimento.

O estereótipo de lugar hostil a quem não tem dinheiro, porém, não se encaixa aqui. Com opções de petiscos, porções, salgados – entre eles a famosa coxinha de jaca – e sanduíches, além de sobremesas, os preços vão de R$ 6 até, no máximo, R$ 25 (o hambúrguer mais caro).

“Há algum tempo, passamos por uma crise de identidade e quase fechamos. Nessa época, consideramos gourmetizar, aumentar os preços, mudar ingredientes. Mas entrou uma questão: nosso público sempre foi mais popular, será que queremos realmente ter clientes com poder aquisitivo maior, virar um lugar chique, ou manter nosso ideal de ser acessível? Preferimos manter a linha ‘botecão’ com pegada vegana”, conta.

O bar, no entanto, não é frequentado só por pessoas veganas, pelo contrário. Libernina acredita que a maior parte da clientela seja atraída pelos preços, e não necessariamente pela proposta. “Ninguém precisa sentar e virar vegano pra sempre. Pode comer sem compromisso. Nós só propomos uma reflexão, repensar o consumo, como cada coisa é feita, quantas pessoas e animais são explorados nessas indústrias. Veganismo é isso, pensar e questionar, o mundo, o meio ambiente, a sociedade. Não é só uma alimentação”, conclui.

Cardápio balanceado

Alto valor

A nutricionista Silvana Portugal explica que, diariamente, todo mundo precisa que a alimentação diária tenha de 10% a 15% de proteína de alto valor biológico, ou seja, que tenham os 23 aminoácidos.

Opções

Exemplos de alimentos veganos que são proteínas de alto valor biológico: arroz com feijão, tofu, edamame (grãos de soja ainda na vagem), cogumelos marrons (shitake, shimeji, portobello), quinoa.

Custo-benefício

200 g de shimeji custam R$ 10,90; 250 g de quinoa são R$ 18,90; 500 g de tofu saem a R$ 22,90 (tudo isso no Supernosso). O Vegan Club vende 275 g de edamame por R$ 20,90.

Para seguir

@veganoperiferico

Perfil dos irmãos gêmeos Leonardo e Eduardo Santos traz imagens dos pratos que comem no dia a dia e reflexões sobre a causa.

@logoeu_veganapobre

Criadora do grupo de Facebook Veganos Pobres Brasil, Caroline Soares mostra seu cotidiano, dá receitas e informações, além publicar memes.

@veganapobre

Bárbara de Almeida é responsável pelo perfil, em que fala de veganismo acessível, proteção animal e horta urbana.

@chefcabotelho

Chef e consultora de restaurantes e escolas em São Paulo e coordenadora de gastronomia da Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB), Camila Botelho usa a plataforma para desmistificar certas ideias relacionadas ao veganismo.

 

Hambúrguer de lentilha
por Silvana Portugal, nutricionista funcional

Ingredientes

1 xícara de lentilhas

4 xícaras de chá de água

1 colher de chá de alho picado (ou outro tempero de sua preferência)

1 cebola pequena ralada

1/2 xícara de cheiro-verde picado

1 colher de sopa de azeite extravirgem

1/2 xícara de aveia fina (ou até dar o ponto da massa)
Azeite para modelar

Modo de preparo

Cozinhe as lentilhas na panela de pressão e escorra toda a água.

- Misture com o alho, a cebola, o cheiro-verde, a pimenta, o azeite e acrescente a aveia até o ponto de modelar os hambúrgueres.

- Unte as mãos com azeite e modele-os com 1 cm de espessura.

- Forre uma forma com papel-manteiga e leve ao freezer por cerca de uma hora.

- Unte uma frigideira e frite de um lado até ficar crocante.

- Em seguida, faça o mesmo com o outro lado.

 


 

 

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