De vez em quando, um contestador de minhas ideias expressas em crônicas ou postadas no Facebook me manda mensagem, ou me aborda na rua, ou me telefona, quase sempre questionando ironicamente: “A vida é bela, hein?” Outro dia foi na movimentada Avenida João Pinheiro, daqui de Itabira, eu de olho num agente fiscalizador de trânsito que atropelava a caneta no papel em multas imperdoáveis aos pobres-coitados. Tentava eu mudar de assunto devido à costumeira falta de tempo e ao medo de levar uma traulitada da Transita, mas o amigo não parava de cobrar. Queria uma resposta, ou respostas, ao tema de minhas palestras: “Onde e como você encontra uma explicação para essa droga de vida bela que inventou?”
E saiu a desfiar os nomes e as localizações de pelo menos duas dezenas de guerras que nos dias de hoje assolam e massacram o mundo. Conhecendo pelos jornais da TV e alguns links da internet a tragédia que começou na Síria e chega à Europa, com milhões e milhões de vítimas de um conflito quinquenário, ele jogou na minha cara como se fosse eu o responsável pelo sofrimento de homens, mulheres e crianças na fuga desenfreada e suicida que empreendem na busca de um lugar para viver. Não parou na Síria, citou o Oriente Médio e começou a tripudiar sobre a humilhação imposta pelo terrorismo aos países de primeiro mundo. Quase sentei-me no meio-fio com ele e me pus a chorar, tal a dramatização que até chamava a atenção das criaturas aéreas e alienadas que transitavam por ali. Indiferente aos olhares curiosos, prosseguia a encenação aquele velho amigo de tempos idos, quando eu era vereador e ele já tinha a mania de me exigir prestações de conta de meu mandato.
Falou tanto que não há espaço para registrar nestas linhas, mas vou tentar resumir a ênfase que deu à gravidade do terrorismo. Analisem o que disse: “Há 15 anos, ninguém podia pensar que um ser humano qualquer tivesse a ousadia de rechear o corpo de bombas como se fosse um rocambole explosivo e detonar o arsenal com o simples e estranho prazer de matar, além dele próprio, dezenas de seres inocentes. Pois aí está o mundo em que vivemos. Que mundo é esse?” Sem sequer engolir saliva, continuou com o seu comício atemporal: “E não só o terrorismo, mas também as lutas dentro das famílias, as brigas entre pais e filhos, irmãos com irmãos, maridos com esposas, enfim tudo, às vezes terminando em suicídios inexplicáveis!” Ele parecia esperar de mim respostas, mas não me deixava sequer abrir a boca, pelo menos até chegar no tema política.
Começou citando Itabira que, para ele, parou de progredir por falta de visão político-administrativa. “O povo vota em candidatos que lhes inspiram simpatia mas não vê o principal que é a honestidade e a sua competência empreendedora”. E passou pelo governo do Estado: “Eu me enganei votando neste governador que aí está, mas, olha, pensei que pudéssemos melhorar, estamos caminhando para o fundo do poço”. Sabia que chegaria ao governo federal, como o pegou em cheio imediatamente, depois de marretar deputados e senadores. “Não vou nem declinar os erros dessa bagunça vivida em nosso Brasil. A economia acabou, a moral não existe, a ética se evaporou e a roubalheira tornou-se humilhante e institucionalizada. O pior, estou sem esperança porque, pelo visto, ninguém vai se salvar”.
Em seguida, finalmente, olhou para mim, aguardando uma resposta a tudo de uma só vez. Como faria tal milagre? Mas ousei-me em, inicialmente, defender a vida, que é um presente para a nossa evolução, um desafio. Sempre de acordo com a resistência de cada um, somos escolhidos para recebê-la como oportunidades de ouro. Bela, sim, porque, quando terminamos de executar um ato de bondade, imediatamente nos sentimos gratificados. Esse estado de ser é uma sensação emocionante do simples dever cumprido, exatamente o que nos faz sentir a beleza de nossa passagem pelo mundo.
O que vem depois um ou outro sabe. Depende da evolução, percepção, exigência de existir. Mas estou terminando e não falei do Deus-Dinheiro, que é o tema destas linhas. Então, tenho uma revelação a fazer: diante das roubalheiras de políticos, empresários, administradores, espertalhões que se multiplicam por aí, um expoente quase concreto é o senhor todo-poderoso que está governando o planeta: o Deus-Poder. Sim, o poder chama a moeda circulante por meio da corrupção e aí se escancara o nome de quem realmente está mandando. Acabar com a corrupção é possível, sim, mas, incrível, as autoridades pensam apenas em reduzir, diminuir, rebaixar a “nível aceitável”, como se a honestidade pudesse ser medida. É um assunto também interessante: se acabar a corrupção, chega ao fim o trabalho dos caçadores de bandidos, que serão dispensados de seus empregos. Que mundo é esse? — repito, imitando o meu amigo da Avenida João Pinheiro.
Por enquanto, vale dizer que esse mundo não é o nosso apropriado mundo. Deixei esse grilo tilintando na cabeça de meu amigo que quase me fez levar uma multa de trânsito e perder horários de compromissos inadiáveis. Mas me deixou feliz porque se acalmou como se tivesse engolido um santo Rivotril.