“Moça, posso tentar pular”?

A pergunta, despretensiosa, foi feita há cerca de 10 anos, pelo atleta Talles Frederico Sousa Silva à treinadora Francislene Silva, na pista de terra da Escola Estadual Trajano Procópio de Alvarenga Silva Monteiro (Premen). Naquela época, o rapaz, com 14 para 15 anos, aguardava o início do treino de handebol e quis brincar de saltador. O pedido foi aceito. Talles tomou distância, correu e pulou. Hoje, quase uma década depois, ainda não caiu. Continuou subindo e agora vai estar onde todo atleta quer chegar: os Jogos Olímpicos.

Depois do primeiro pulo, Talles não parou mais de treinar o salto em altura. Também, pudera. No salto de brincadeira, foi superior aos que já treinavam há algum tempo na pista do Premen. A treinadora Francislene logo identificou o talento e não deixou que ele se afastasse do sarrafo. Com pouco tempo, o rapaz já vencia campeonatos e evoluía no esporte que acabara de descobrir.

Com o passar dos anos, a pista do Premen foi ficando pequena para o talento de Talles. A própria professora percebeu isso e entrou em contato com o renomado treinador Kiyoshi Takahashi, que o levou para treinar no Pinheiros, em São Paulo. Já são seis anos no estado vizinho. Treinos fortes e especializados, que resultaram na obtenção do índice olímpico. No último fim de semana de março, Talles saltou para 2,29, alcançou a melhor marca de um brasileiro no ano e se garantiu nos Jogos do Rio 2016.

Nascido em Rio Piracicaba, mas registrado em São Gonçalo do Rio Abaixo e radicado em Itabira, Talles diz que a presença nas Olímpiadas é a realização de um sonho que ele sempre perseguiu. “É um sonho, com certeza, mas na medida em que fui crescendo e avançando no esporte, vi que estava cada vez mais perto”, comenta o rapaz, que, apesar de jovem, sabe bem o talento que tem e o quão longe pode chegar: “Não me assusta o que estou vivendo”.

Talles saltará nas Olimpíadas no dia 14 de agosto, para a fase seletiva. Se passar, disputará a final no dia 16. A meta é bater os 2,29 metros que o levou para os Jogos. “A gente treina para ir acima dessa marca, bater os 2,32 ou 2,33. Treino para ao menos repetir a marca, mas melhorando um pouquinho já acho que consigo uma classificação muito boa. A expectativa é de fazer o melhor possível e alcançar uma boa colocação”, afirma o atleta.  

A marca dos 2,32 perseguida por Talles lhe garantiria o recorde nacional histórico e o consolidaria como o melhor do salto em altura no país. É uma meta ousada, mas ele já quase conseguiu. Na mesma competição em que alcançou o índice olímpico, o jovem atleta tentou melhorar a marca, e foi por pouco. “Foi um errinho besta, minha camisa resvalou no sarrafo e ele caiu”, relembra o rapaz, com ar de quem confia que pode chegar lá.

Treinos e saudade

Com auxílio do experiente treinador japonês, Talles treina forte para alcançar a nova marca. E é preciso praticar muito e aperfeiçoar, ainda mais porque o rapaz tem uma defasagem em relação aos principais rivais. Com 1,83 metro, ele é considerado baixo para um saltador em altura, o que exige dele mais velocidade e impulsão. “Estou treinando forte, até mais forte do que estávamos antes, com picos mais altos. Todo o treino é baseado em planilhas de desempenho e bem específico para a competição”, comenta.

Em São Paulo, o rapaz administra uma tumultuada agenda. Treina pela manhã, descansa um pouco à tarde e vai à noite para a faculdade, onde cursa o sexto período de Engenharia Civil. É correria pura, mas, pelo menos, a distância não é um fator que dificulta. O Pinheiros alugou para ele um apartamento bem perto do clube e da faculdade. Coisa de três a cinco quilômetros, quase nada para uma cidade da imensidão de São Paulo.

Mas se a distância do clube e da faculdade não é um problema, a distância da família é uma barreira vencida todos os dias. “Sinto muita falta. Hoje ainda mais do que quando cheguei. Porque quando me mudei tinha muita gente para conhecer, muita coisa para visitar. Hoje, não. Então, a saudade da família e dos amigos aperta com força. É algo bem difícil”, relata.

Em 2016, Talles veio a Itabira duas vezes. A primeira, com mais tempo, na virada do ano. A segunda foi rapidinho, de um dia apenas, quando aproveitou uma competição em Belo Horizonte para dar uma escapadinha e visitar a família. Mas a saudade ele encara como se fosse o sarrafo, um obstáculo a ser ultrapassado voando, como ele sempre fez. “Um passo atrás do outro, vou chegando onde sempre sonhei estar. Um sonho planejado, fruto de muito trabalho. Veio um pouco rápido, é verdade, o que torna ainda mais importante o trabalho que a gente vem desenvolvendo”, diz, orgulhoso.

Ansiedade e orgulho

Talles mantém os pés no chão e deixa a ansiedade e a euforia para a família e os amigos. “Eles só querem festa (risos). Quando acabar, aí sim vou a Itabira festejar com todos e descansar um pouco”, brinca.

Em casa, o sentimento é de muito orgulho, como conta a mãe Valquira de Sousa Silva. “É uma expectativa maravilhosa. Muito bom ver um filho seu realizando o sonho da vida dele. E é um sonho nosso também, meu, do meu marido e do irmão dele”, conta. “Você sabe como é coração de mãe, né?! Não posso nem falar que meus olhos enchem de lágrimas. Estou maravilhada, satisfeita demais”, completa.

A família, moradora do bairro Panorama, estará no Rio de Janeiro para ver de perto os saltos de Talles Frederico. Valquira, o pai Afonso e irmão Hygor serão os torcedores ilustres do Sousa Silva mais famoso. “O mais legal é que é uma competição tão importante e bem pertinho da gente. As outras competições grande que ele disputa sempre são longe do Brasil e não dá para a gente ir. Dessa vez estaremos lá, dando todo o apoio e torcendo muito”, diz a mãe.  

Com muito incentivo, Talles Frederico, com certeza, ganhará um impulso a mais para saltar e passar por cima do sarrafo. Um impulso a mais para voar e continuar subindo até onde seus sonhos são capazes de o levar.